caquética e imponente
a miséria olha nos olhos da pandemia
e ri.
ri como quem recebe um ajudante
que nunca será páreo
mas que tornará seu trono
ainda mais enraizado
nas tripas civilizatórias.
vêm-me os esclarecidos da classe média
reclamar da grande massa ignorante
aglomerada nas praças! que ultraje!
como ousa, ó, massa deseducada
sair dos ônibus lotados
sair dos empregos precarizados
e se autorizar a uma distração de sábado?
“como ousa? não tens netflix?”
pergunta-se a esclarecida classe média
herdeira direta de Robespierre
e de todos os palavrosos rebeldes
que embelezaram a burocracia
enquanto isso lá fora
ouço o som grave da pisadinha
ouço um velho contar as moedas
ouço os gritos agudos das meninas
talvez todas assintomáticas
vivendo como podem
na alegria ou na pobreza
na miséria ou na doença
até quando?
olhei pela janela
nem o povo nem a vida
aguenta mais usar máscara