Deixo que rume o tempo e o espaço como ruma o cavalo na estrada de terra da terra onde nasci. Há lugares em que o tempo e o espaço são vagarosos como são vagarosas as grandes verdades e eu busco uma gota de tempo no retorno ao que me constitui. Os sentidos se contra-atravessam e os sentimentos atacam e contra-atacam sem pena sem alento sem desejo sem razão quem diria quem diria ninguém diria e por isso eu digo.
O bicho que pulsa em meu peito não tem peles nem pelos, é só víscera. Eu vivo na víscera que vive na pele e é como se existir fosse parasitar meu próprio corpo. Pareço serena e sei ser serena por saber respirar e tolerar-me decomposta. É tamanho o desconforto que travo e não vivo senão para dar vida a esse eterno morrer-se. Tenho vergonha do que escrevo de real e até no meu confessionário de verso eu me transformo em uma alegoria patética. Coço.
É um filme de suspense em cada centímetro de mim. Me pergunto tantas coisas e pego a interrogação e faço de brincos para disfarçar os receios. Enfeitei-me de dúvidas quando na verdade sou feita de mistérios. Feita por dentro de mistérios e rindo das roupas transparentes do imperador nu cujas modas todos insistem em imitar. Não sei ser nesse mundo de desfiles tantos desfiladeiros desencontros tantos.
(…)