sobre os desconhecidos do mundome debruço sem nenhum medo.o anonimato nos libertae falamos nossa almanum ponto misterioso de intimidadeem meio à loucura difusado buraco-negro-cidadesobre os desconhecidos do mundoaos farrapos com suas sacolas plásticase suas unhas gigantescas e pretaseu me desdobroeu me reabrosomos gente sem máscaragente ao limitesem nenhuma razãopara convenções ou hipocrisiassobre os desconhecidos do mundosei tão pouco e por isso lhes pertençosento-me nos bancos dos parquese eles se aproximame me reconheceme nos reconhecemosà beira de penhascos distintosabsurdamente distintosconversamos na mesma línguaa língua dos que já não falam sem dizera língua dos que dialogam com abismostemos a mesma dança de olhosintensostemos os mesmos ouvidosatentostemos os mesmos lábiosesperando escutasderramando sonhosquaisquer e quaisquereressomos humanossomos humanosmesmo que sem nomemesmo que sem casamesmo que sem sentido algumsomos humanosnos definimos por ainda buscarmoso desconhecido, Nelsinho, bicha preta aidéticase aproximara e eu estava lendo baudelaire em francêsbuscando algo que me ensinassealgo que me traduzissetecitura qualquertolicepois nada, nada se compara,ao não-romantizar de Nelsinhoque virou-se para a irmã evangélicaque o abandonou no leito de hospitale disse: simestou com AIDS mas deidei muitodei com gostodei bem gostosoe sou feliz!se Nelsinho é feliz para mim será sempre um mistérioseus olhos tinham um turbilhão indecifrávelmas, na fraqueza do corpo, sem previsões, sem amparos,Nelsinho é a pessoa mais viva que conheci esse anonão, não é bonita a vidados desconhecidos do mundonão é poéticanão é heróicaé tristeé uma ferida abertaum cancro nas ruínas da civilizaçãouma ausência rejeitadamas também não é horrível a vidados desconhecidos do mundonão é descartávelé, também, históriaaguardonão é intragávela vida dos desconhecidos do mundomas estamos ocupadostragando as fumaçasdos escapamentosdos falsos escapesenquanto as cidadessão repletas de pessoasvagando suas memóriaspesarosasNelsinho me disse para eu não desistir de ser felizmas que ele, ele não tinha mais saco, já tinha dado um basta para a vidasim, ele,que me disse "nem pregas no cu eu tenho mais"pra elegozar era mais importante que viversobre os desconhecidos do mundosei frases e epopeiassei grandes mitologiasgrandes delíriossei dos seus cuse dos seus sonhosambos arregaçadosmas o que mais seieu, mútua e íntima anônima de tantos anônimos,eu sei é que eu vou fazer que nem Nelsinhoe dardar muitodar com gostodar bem gostosoe ser feliz.