
eu estou nas grades dessa pele
presa na selva do real
eu sou imensa demais
e então me perco
feroz a criatura que se contorce
em meu peito
mal cabe nesse corpo
que se aprisiona
e se condensa
estou nas grades dessa pele
contorcida e desajeitada besta
com as presas a roer o chão
até que se forme um buraco
onde possa se abrigar
há uma mão que me acaricia com força
e queima feito brasa minhas carnes:
ela sai do meu peito e vai para a garganta
passa por meus ombros, lenta, maliciosa,
enfia-se em minha boca
arranca minhas cadências
e me faz vomitar sangue
arranhando as costelas
a fera revira os olhos
estremece e arrepia
quer ensurdecer
quer gritar
quer gozar até que sangre
depredar cada via de comunicação
para que tudo que entre ou saia
lambuze-se de seus fragmentos
fera, inconsequente fera
inconsequência calculada
e cada flagelo
tinha a angulação certa
para que doesse
só até onde quase não mais aguentasse
fera, irrepreensível fera
irrepreensível na sua falta de lei
tão grande falta de lei
que o avesso é um parto do avesso
e pesa o dogma da ausência
em seus pulmões incinerados
fera, incompreendida fera
quem poderá te dizer
que não há chave
nem fechadura?
quem poderá te mostrar
que as presas estão podres
balançando quase banguelas
exaustas de não fugir?
fera, auspiciosa fera,
criança fantasiada de demônio
gritando para sair da fantasia.
É hora de predar-se até o fim:
o mundo que sonhas está perto demais
e a selva do real está em chamas
– tu és a última cinza