
Sinto sua falta
Inicialmente de forma anestésica:
Não sei discernir se é vazio ou se é tumor
E busco com os olhos e mãos
Palpar essa dormência cruel.
Depois, a dor vem gradativamente
Dando umas pontadas de desespero
Tocando a campainha e saindo correndo
E eu lá, na porta, feita de boba
A buscar respostas já tão corriqueiras.
Aí, depois, como é agora
Sinto sua falta como se os pés de deus
estivessem comprimindo meu peito;
sinto sua falta como se todos os dicionários
estivessem atravessados em minha garganta;
sinto sua falta como se sequer houvesse falta:
atônita, inerte, errática.
Vejo lá fora uma lua quase cheia
e tento comprimir o desejo
e injetá-lo no árduo cotidiano.
Não adianta.
Eu sinto sua falta de forma tal
que o desejo por ti se multiplica
exponencial e ferozmente
e me rebato tentando ir mais rápido
aparar numa colher de chá uma cachoeira
que farfalha teu nome.
E no espelho do poema enxergo essa falta.
A falta do ar quente em meu pescoço
E das tuas pernas pesadas em minhas pernas
Quase âncoras me trazendo à tona
O tônus e a tônica do real.
Enxergo essa falta e me aproximo.
Morresse eu mil vezes pelo espectro da saudade
Mil e uma vezes eu voltaria
Só para contemplar teus olhos novamente
Na pérola absurda da despedida.
Sinto tanta falta que nem choro.
Que nem coragem tenho de admitir tamanha falta
És, de todas as desnecessidades,
A mais indispensável.
Tens um sabor sereno de quase certezas
Tens uma calidez que envolve meus medos
Tens tudo que nunca imaginei que existisse
E que por isso é tão verdadeiro.
As minhas pobres palavras nada significam.
Essa falta tem o silêncio de um abismo
E tudo que te digo soaria mentira
Diante daquilo que nem eu descobri.
Mapeio minhas dores mas o amor é labirinto:
Sempre retorna a si mesmo no além da causalidade
E por isso desenhá-lo seria uma tolice
Posto que suas paredes
Formam o mais aconchegante dos lares.
Sinto sua falta como um rio intermitente
Escondido na beira dos sertões de minha alma
Sedento e carente fóssil de si mesmo,
Porém perene cicatriz diante da esperança de retorno.
E sei que retornas.
Volta e meia voltas aos meus braços
E me despeço momentaneamente da falta.
A guardo no bolso como lembrança
Para logo depois te deixar me despir.
Nua permaneço diante de ti:
Aprendi a encarar qualquer ausência
Aprendi a percutir minhas lacunas
E por isso não tenho medo de perder
O tesouro da tua saudade.
Sinto a tua falta
Nas catarses, nos detalhes;
Eu poderia até escolher te deixar
Deixar essa falta que me machuca
Mas antes sentir tua falta
Do que não mais te sentir.
Há entre nós beleza de sobra;
Beleza, amor, chão e vontade.
Jogando isso no mar
Nasceu a palavra “Saudade”
Mas onde eu moro não tem mar
Onde eu moro só tem morro
E de saudade eu não morro,
Amor, eu te juro que não morro.
Devo dizer que nem me canso.
Apenas abraço a velha dor.
Sinto tua falta, mulher,
Sei que sentes a minha,
Mas assim que a percebo
E a vejo esculpida num poema,
Aceito que a beleza da falta
Se deve à lâmina do amor:
O amor não fere.
O amor só cria,
Nos caminhos da falta,
Uma ode ao permanecer.
Permanecemos.